Tudo vale a pena se a alma não é pequena

Cruzei o Atlântico pela primeira vez. Aliás, sai de terras Tupiniquins pela primeira vez, e tudo ocorreu de um modo muito inesperado, e mesmo estando aqui há pouco mais de uma semana ainda não parece que estou realmente vivendo essa experiência. Pretendo, mais pra frente, fazer um post sobre o processo de intercâmbio mesmo, de uma forma mais informativa e objetiva.

O fato é que agora eu vivo em outro país.

E isso traz um transbordar de sentimentos. Primeiro que, apesar de ter chego aqui apenas no dia 12 de fevereiro, parece que já se passaram meses. Apesar de falarmos a mesma língua, nos comunicamos de forma muito diferente – e basta eu abrir a boca para que saibam que sou estrangeira, que sou brasileira. Logo eu, que gosto tanto de passar despercebida…

Aqui, basta tropeçar para cair em um lugar incrível. Cada esquina tem algo belo e surpreendente. Surpresa até mesmo com o povo, já que disseram que os portugueses são fechados e antipáticos, cheguei aqui e fui recebida com muitos sorrisos, e dois beijinhos! (Sim, ainda me causa desconforto, pois nunca lembro de dar dois beijinhos e acabo tornando o cumprimento em uma situação levemente constrangedora).

A relação que o povo tem com a cidade é sensacional. É uma noção de pertencimento que nós não temos – ou tínhamos, mas nos foi tirada pela colonização – e que cria o respeito pelo espaço público como algo dado, não imposto. Precisamos aprender a pertencer mais.

E sim, os portugueses são literais mesmo. Isso gera um choque cultural engraçado. Perguntei onde era uma determinada sala para um segurança e ele me apontou uma placa que dizia onde era a tal sala. Parece rude, mas bem, a placa realmente estava ali e eu é que não olhei pra ela. O mesmo aconteceu na sala de xerox (ou fotocópia, como eles dizem). Entrei, perguntei se eles digitalizavam documentos, o atendente me respondeu: “se está escrito aqui que digitalizamos, então digitalizamos”. É lógico, ora pois.

As diferenças linguísticas me encantam, muito! Moça, tão comum para nós, tão carinhoso, tão bonito, aqui não é muito bem visto. Imagine as situações que estou vivendo pelas ruas, cada vez que paro alguém com “moço, onde fica a estação Trindade?”… Já peço desculpa aos portugueses e espero que não se sintam ofendidos.

Da mesma forma que não me ofendi quando fui chamada de rapariga. Sim, a “rapariga”, aqui, é a “moça” do Brasil. E a nossa fita durex é camisinha. E fazer um bico é o mesmo que fazer um boquete. E o papel higiênico é carinhosamente chamado de “papel de cu”. Mas cu, aqui, é bunda, e ainda não sei como que eles chamam o cu. Ônibus é autocarro, celular é telemóvel, camisa é camisola e eu ainda me perco em mais da metade do que eles dizem.

Quem sabe em breve eu não me encontro?

“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”

Fernando Pessoa, Mar Português.

2 comments on “Tudo vale a pena se a alma não é pequena

  1. Olá Veri.

    Te conheço faz algum tempo, talvez você nem lembre de mim. Frequentei a mesma sala de cursinho que você!
    Enfim. Fiquei muito feliz por essa nova conquista, sair do país e conhecer uma nova cultura é sempre maravilhoso e nos enriquece a alma e o conhecimento. Agora mais do que nunca vou acompanhar sua caminhada, pois é muito bom ver o crescimento das pessoas que conhecemos.

    Sucesso menina, você merece!

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